segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Marta Valéria e os ratos do terceiro milênio - Avelino Ferreira

A dona do depósito de bebida no Eldorado, assassinada com sete tiros no início da madrugada de hoje, segunda-feira de Carnaval, foi a maior liderança comunitária que já conheci. Marta Valéria de Souza, filha e irmã de cortadores de cana, abandonada pelo pai, juntamente com a mãe e irmãos, quando ainda era uma menina, forjou na luta diária a sua liderança.

Iniciou seus passos na política comunitária a partir da indignação com a vida que ela e sua família levavam. Sem estudos, sem casa, sem emprego digno. Buscou uma melhora de vida na luta contra os exploradores dos boias-frias. Embrenhou-se no caminho árido da política e conseguiu sair e tirar sua família do corte de cana. Com muito trabalho, inclusive como comerciária, comendo o pão que o diabo amassou, adquiriu um terreno no nascente bairro de Lagoa das Pedras e lá construiu uma casa que, segundo ela, era para sua mãe e irmãs.

Alinhada ao grupo liderado por Garotinho, ajudou a eleger Fernando Leite deputado, fazendo parte de sua assessoria política. Com Garotinho na Prefeitura, reuniu a comunidade e conseguiu do prefeito uma escola para o bairro, embora muitos considerassem impossível, porque Lagoa das Pedras tinha só duas ruas. A escola, no entanto, servia às crianças dos quilômetros sete e oito da BR-101.
Pediu a Garotinho uma creche. Era demais. Garotinho disse que, se ela fizesse o prédio, ele colocaria para funcionar. Marta reuniu a comunidade e visitou quase todas as olarias da Baixada, pedindo tijolos. Conseguiu, mas baixou hospital, de tanto esforço, caminhadas sob sol escaldante e sem se alimentar direito. Faltavam cimento e ferragens. Um empresário vizinho de Lagoa das Pedras cedeu ao seu apelo. Ela prometeu dar o nome da mãe do empresário à creche. As mulheres trabalharam duro durante meses e a creche ficou pronta. Os homens trabalharam também, mas receberam para tanto. Fazia bingos, sorteava prêmios e arrecadou o dinheiro necessário para a construção da creche. Garotinho cumpriu a promessa. Se não tiraram de lá, a placa agradecendo a todos que ajudaram, está lá.
Em seguida, lutou por um posto de saúde na comunidade. Era o governo de Sérgio Mendes. Conseguiu o terreno com os Aquino e, em mutirão, mais uma vez, construiu o posto. Sérgio inaugurou, dando o nome de Antonio João de Faria. Por ironia do destino e das negociações políticas com vereadores que abusam do poder que têm, embora passageiro, Marta foi nomeada diretora da escola e, depois destituída. Foi nomeada diretora da creche e, depois, destituída. Em seu lugar, uma das mulheres que ela ajudou. Foi nomeada diretora do posto e, também, destituída. Não poderia fazer médicos cumprirem seus horários...
Ganhou uma casa popular no Eldorado e lá foi morar com seu filho mais novo. Contratada da Prefeitura, foi também demitida. Terminou o segundo grau e cursou uma faculdade. Conseguiu emprego e no Eldorado, continuou seu trabalho. Não media esforços para ajudar as pessoas e defendia crianças e mulheres quando eram maltratadas. Admiradora e seguidora de Garotinho e seu grupo, nunca foi de vícios, embora nos últimos anos, tomasse algumas cervejas. Na sua própria casa, montou um depósito de bebidas, na esperança que seu filho mais novo, Yuri, a ajudasse.
Casou-se pela quarta vez e vivia com certa tranquilidade, trabalhando muito, como sempre. Deixa três filhos de casamentos anteriores – Max, Jorge Elias e Yuri Avelino.
Seu assassinato na madrugada de hoje chocou a todos que a conheciam. Mesmo aquelas pessoas sem muita ligação com Marta, sentiu sua morte, porque sabem de sua luta em prol da comunidade. Espero que a polícia investigue o crime para solucioná-lo. Se existisse Deus e céu, ela estaria lá, aporrinhando São Pedro e companhia. Como isso não existe, ficará apenas na nossa memória a Marta guerreira, destemida, pragmática, politizada, mesmo sem teoria e que foi assassinada cruelmente pelos ratos do terceiro milênio.

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