domingo, 8 de junho de 2014

HISTÓRIAS DE DOMINGO - Um amigo aposentado - Betinho Cagiano

Não sei por que cargas d águas fui inventar de contar essa história. A fim de não cansar você tentarei ser o mais breve possível, prometo. Como tudo na vida tem um começo o meu relacionamento com ele partiu da minha necessidade de escrever, foi paixão à primeira vista podem ter certeza, eu precisava dele e ele... (sacana) não estava nem aí para os meus sentimentos. Na época, ele era jovem, bonito e robusto, mas demorava um pouco pra pegar, ou melhor, ligar. Ele olhava pra mim e sabia das minhas intenções, o nosso namoro parecia cena de novela; e assim aos poucos fui me apegando a sua existência - meu primeiro computador - um 486 DX100 com a sua formidável tela de 14 polegadas.
Ele tinha vida própria e de vez em quando aprontava: ligava e desligava sem avisar; apagava e escondia meus arquivos com a maior cara de pau e ainda informava que não existia nada. Minha cabeça pirava. Uma vez ele fez gracinhas e me apresentou ao iniciar, uma tela verde só pra contrariar, depois, pediu desculpas dizendo que foi influência do filme do Hulk (aquele que fica verde de tanta dor porque a cueca lhe aperta as bolas quando se transforma). Uma vez ele ignorou o antivírus e deixou entrar novos inquilinos (um festival de spam, malware, trojans e a cavalaria inteira de Troia) que levei uma semana para expulsá-los do seu HD. Os indesejáveis se foram e junto com eles meus trabalhos, as fotos da Gisele Bündchen e da Vera Fischer (lamentável).
Assim como quem sofre de Parkinson com uma dose de Alzheimer, de vez em quando sua tela tremia e a memória ia pra casa do caixa prego, pois ele não aceitava de modo algum que eu fizesse duas coisas ao mesmo tempo, como por exemplo, digitar um texto e ouvir músicas, aí ele com maestria travava mesmo.
Cheio de pirraças às vezes ele só de sacanagem engolia e não devolvia os meus CDs, os coloridos disquetes 3.5 (risos) eram sumariamente mastigados, outra hora gravava somente a metade dos meus trabalhos (um verdadeiro filho).
Temperamental, o camarada me ignorava: esquentava, dava choque, fazia barulho, apagava a tela, desligava o teclado e fritava o coitado do senhor mouse que não tinha nada com isso. Confesso que apesar de tudo eu gostava dele. Não posso negar que tivemos bons momentos e sabia que no fundo ele gostava de mim e que tudo não passava de ciúmes da minha impressora e do senhor vídeo cassete (outro aposentado por invalidez) que ficou louco das suas cabeças (era uma agonia rebobinar a fita pra devolver a locadora).
Com a internet discada, certa vez sem ninguém mandar, ele se conectou sozinho resultando uma generosa conta que foi quitada em suaves prestações. A gente só podia conectar depois das vinte e três horas porque saia mais barato e tínhamos que abafar o som daquele barulhinho sacana da conexão que enchia a casa (o chato e que sempre tinha alguém acordado pra falar: “olha a conta do telefone hein!”) Aquilo magoava, mas a gente ia em frente e conectava assim mesmo na esperança de contar com os abençoados 56 Kbps (meu Deus!)
Com o passar do tempo e inúmeras formatações, ele foi ficando cada vez mais pirado do seu HD que já não suportava mais a carga de programas e filmes que eu lhe enfiava goela abaixo: “Inferno na Torre”, “Duro de matar” e “Rambo” foram suficientes para liquidá-lo de vez e apressar a sua aposentadoria, o meu inesquecível amigo 486 DX100.

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