A aprovação popular à ocupação do Complexo do Alemão despertou um dos mais conhecidos e inconfessáveis sentimentos da nossa vida pública: a dor de cotovelo.
Não faltam críticas, “mas” e “poréns” sobre a operação. Claro que muitas observação estão certíssimas.
Mas basta raciocinar com um pouco de realismo para fazer uma constatação elementar.
Caso o Rio de Janeiro assista a uma vitória importante sobre o crime e a violência, a segurança irá se transformar numa das principais moedas de troca de nossa vida política nos próximos anos. Irá projetar nomes, candidatos e candidatos a candidatos, modificando não só o panorama político no Estado mas também projetando nomes e estrelas para a sucessão presidencial.
Preocupação permanente da maioria dos cidadãos brasileiros, até agora a segurança pública tem sido um tema ausente das campanhas políticas. Sabe por que? Porque até a eleição de 2010 nenhum concorrente tinha o que apresentar na matéria — só denúncias, idéias e promessas, mercadorias que o eleitor identifica e despreza, pois prefere examinar realidades e soluções que funcionam.
Imagine se, daqui a quatro anos, a luta contra a violência, que vive um momento muito especial, trouxer dividendos eleitorais tão promissores como já foi a queda da inflação e a distribuição de renda, por exemplo.
Essa realidade alimenta boa parte do debate sobre a ocupação.
Verdade que concordo com muitas críticas que tem sido feitas.
O comandante que declarou “Vencemos!” cometeu, pelo menos, um ato de precipitação. (A vitória, como se sabe, será fruto de um combate diário e prolongado, que só está começando).
Outra proclamação, dizendo que no domingo teve início uma era de liberdade para os habitantes do lugar chega a ser estapafurdia. (Não dá para imaginar que se possa definir como liberdade uma situação em que familias de trabalhadores são submetidas a revistas permanentes, num estado geral de vigilância e risco, numa existência precária e carente).
Mas nessas horas é bom separar o principal do secundário e não perder a noção das coisas.
A ocupação do Complexo do Alemão representa uma vitória importantíssima no esforço da população fluminense para conquistar o direito a uma existência digna, num ambiente de paz e segurança. Há iniciativas semelhantes mas não custa admitir que não há registro de que o crime organizado já tivesse sofrido uma derrota de proporções equivalentes em qualquer época da história do Rio de Janeiro.
Há muito a se fazer, ainda. Como lembrou o professor Luiz Eduardo Soares, ontem, no Roda Viva, não será possível sustentar qualquer mudança positiva sem que se dê início a uma reforma da polícia, contaminada por uma “orquestra podre” que pode colocar tudo a perder e trazer de volta a bandidagem e a violência num prazo muito mais curto do que se imagina.
Luiz Eduardo Soares tem razão em lembrar que é preciso tomar iniciativas indispensáveis para se avançar nesta direção. Acrescento que é bom tomar o cuidado de evitar que tais providências se transformem numa crise capaz de paralisar uma máquina que mal começa a funcionar como se deve.
Mas se o espírito crítico não pode ser abandonado, também não precisamos fazer o papel de ingênuos e imaginar que o debate sobre a ocupação se alimenta apenas por opiniões inocentes, livres e desimpedidas. (RETIRADO DO SITE DA REVISTA ÉPOCA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário