terça-feira, 28 de abril de 2020

DECRETAR ESTADO DE CALAMIDADE (OU NORMA AFIM) E, DURANTE O PERÍODO DE VIGÊNCIA DESTE, AFROUXAR NAS MEDIDAS DE ISOLAMENTO (NA PANDEMIA ATUAL), POR QUESTÕES ECONÔMICAS, É MORAL OU IMORAL? - Professor Pedro Wagner Assed Pereira

Quando se ouve apenas uma voz, a chance de erro é muito maior. Este blogueiro é advogado e atua na área há quase 30 anos. Para não errar, busquei o apoio jurídico e os ensinamentos de uma autoridade na área: Dr. Pedro Wagner Assed Pereira, que é professor de Direito, Defensor Público Federal, ex-advogado e ex-oficial de Justiça, formado desde 1993 pela Faculdade de Direito de Campos, que a nosso pedido e com exclusividade, elaborou o texto abaixo, quiçá ajudará os miracemenses no entendimento de um grave momento que passa a cidade.


Primeiramente, devo informar que tentarei utilizar o mínimo de juridiquês possível, para que a reflexão possa ser feita para além das pessoas que habitualmente convivem no meio jurídico técnico. Ou seja, tentarei abordar um tema caro para todos os cidadãos e que não possui a merecida percepção cidadã exatamente pelo excesso de termos técnicos, por excesso de data venia, exempli gratia etc. Obviamente, se inevitável a menção a um termo jurídico, eu esclarecerei, também de forma simples, o seu significado.

O presente texto deixará a cargo do leitor o alcance da resposta à pergunta estampada no seu título, abstendo-se, ao máximo, de emitir opinião técnica ou pessoal.

Pois bem, as palavras moral e probidade não só se assemelham como se completam, não estando errado afirmar de que a segunda é espécie da primeira, que é gênero. Assim, trataremos a moral em seu sentido amplo, abrangendo a probidade.

O artigo 37 da Constituição Federal elevou a princípio da Administração Pública a moralidade, sendo um norte a ser devidamente seguido pelo administrador probo, zeloso, que age com retidão, no interesse maior, que é o interesse público.

Então, a moral, no sentido aqui abordado, abandonando outras nuances suas, como, para exemplificar, fidelidade conjugal ou comportamento em público, é a conduta reta do agente público, que é capaz de atender ao interesse público sem, ao mesmo tempo, que referida conduta cause danos ao interesse público. Confuso? Não. O administrador, ao praticar um ato, para atender a um determinado interesse público, não pode fazê-lo em detrimento deste.

Exemplo para clarear. Não pode o administrador de um município destruir (conduta) um coreto (interesse público) com a finalidade de protegê-lo de vândalos (finalidade).

Então, temos que a moralidade pública deve ser um impeditivo para que o administrador destrua um bem público, corpóreo ou incorpóreo, em nome da finalidade de protegê-lo, pois este ato contraditório seria também improbo, imoral.

No Direito, dá-se à proibição de comportamentos contraditórios o pomposo nome em latim venire contra factum proprium. Popularizando a expressão latina, é o mesmo que você querer ganhar uma partida de futebol fazendo gol contra. Você participa da partida de futebol, mas faz o contrário que deveria fazer para ganhar a partida. 

Seguindo, a Administração Pública deve alicerçar seus atos na segurança jurídica e na confiança, não devendo praticar atos posteriores que entrem em contradição frontal com os praticados anteriormente, sob pena de incorrer no mencionado venire contra factum proprium, respondendo o responsável pela conduta contraditória.

A prática de conduta contraditória pode, e quase sempre o é, ficar configurada como a prática de ato imoral, mesmo que o administrador não possua a intenção (no Direito, dolo) em lesar o interesse público.

Quando um administrador decreta estado de calamidade, por exemplo, assim o faz por estarem presentes os requisitos para tal. No caso da covid-19, o principal requisito, espero estar bem certo nisto, é preservar, ao máximo, a vida dos cidadãos, com a possibilidade de utilização de verba pública com maior facilidade, sem respeitar a letra fria das leis orçamentárias e financeiras, além de, em alguns casos, servir para que o município, por exemplo, receba verbas dos outros entes federados (estado e União).

Então, no atual momento de pandemia, o ato que decreta a calamidade pública (conduta) tem por objetivo salvar o maior número de vidas possível (interesse - máximo – público), inclusive limitando a liberdade de ir, vir e permanecer dos cidadãos.

Chegamos à indagação inicial e que deve ser feita não só pelos cidadãos, mas, principalmente, pelos administradores, federal, estadual ou municipal, independentemente de posição filosófica ou político-partidária. O administrador que decreta estado de calamidade por determinado período, pela incidência da covid-19, pode ter sua moral, em sentido amplo, questionada, juridicamente, se dentro do período de vigência do referido decreto afrouxa as medidas de isolamento necessárias?

A finalidade, que é a proteção à vida dos cidadãos, não sofrerá revés com a conduta de afrouxamento do isolamento social? O decreto de calamidade pública não objetiva exatamente a liberação de verbas para que sejam supridas a diminuição da arrecadação de tributos, bem como a renda dos trabalhadores, sendo o afrouxamento do isolamento uma conduta contraditória ao mencionado objetivo?


Por derradeiro, retorno ao início, decretar estado de calamidade (ou norma afim) e, durante o período de vigência deste, afrouxar nas medidas de isolamento (na pandemia atual), por questões econômicas, é moral ou imoral?

(Texto elaborado exclusivamente para o blog Miracema, reprodução autorizada mediante identificação do autor)

Um comentário:

Halini disse...

Bastante imoral...como ninguém discute isso!!?!